Muitas pessoas não entende a diferença entre um produto feito à mão e um produto manufaturado, como também não entendem o porquê que artigos de luxo terem um processo artesanal, sendo diferente do artesanato. Foi no século XIX, graças à revolução industrial que surgiu essas oposições: exclusividade versus massificação, acessibilidade versus raridade, materialidade versus subjetividade, produção em série versus feito à mão. É nesse período que surge a Moda como conhecemos, as marcas de prestígio e o universo dos artigos de luxo com a sedução e o segredo que os envolvem.
Com a revolução industrial, várias invenções facilitaram a vida das pessoas. As máquinas agora eram usadas para fabricar materiais, a indústria da moda começava a se modernizar, por exemplo com teares automáticos fabricando grandes quantidades de tecidos rapidamente. Já as novidades no mercado começavam a aparecer diariamente, com isso a moda se dividiu em duas categorias: alta-costura e Confecção, que precede o prêt-à-porter (início depois da segunda guerra mundial). Sendo a alta-costura o feito sob medida e a confecção que veste todos sem distinção.
Nesse mesmo período surge um movimento artístico chamado Arts and Grafts - movimento que se opunha aos preceitos da revolução industrial - já que a revolução industrial estava interferindo até mesmo no meio artístico, ao defender a produção em série e pregar o fim da distinção entre o artesão e o artista. O Arts and Grafts, valorizava o trabalho manual, pegava os objetos produzidos industrialmente para uso do cotidiano e os recuperavam esteticamente com o trabalho manual de artistas, sendo precursor da Art Nouveau da década de 20.
O movimento fez uma reforma social para valorizar a evolução do estilo e do design, deixando claro a diferença do artesão para o artista.
A produção artesanal de um produto conta com a presença de um artesão que quase nunca é um designer ou estilista. Na maioria das vezes, o artesão é o detentor do conhecimento do processo tradicional, técnico, da forma de confeccionar, do desenvolvimento do produto, a pessoa que sabe fazer o produto da maneira padrão, embora seja livre da preocupação artística e estética do design do produto. O artesão ele produz de maneira manual aquilo que a máquina veio para substituir. No entanto, a máquina não tira do artesão o valor da peça feita à mão, pelo contrário, uma peça feita por um artesão tem mais valor, como único, um produto de fabricação artesanal é sempre exclusivo,&nbs p;pois o mesmo artesão dificilmente consegue a reprodução exatamente igual. Cada produto é confeccionado de uma maneira diferente, seja pelo humor, pelo dia, por mais que seja o mesmo artesão, o produto sempre será único.
O designer, estilista ou artista tem a preocupação estética e, também, o interesse de ser transgressor ou um inventor de um novo padrão estético ou até mesmo para exprimir um sentimento que se materializa em um objeto.
Muitas vezes o designer não tem o conhecimento da técnica de produção, sendo assim, ele precisa buscar um artesão para que o ajude a confeccionar o seu desenho. No caso estamos falando de moda, quase sempre um estilista de sapato não é um sapateiro e quase sempre um sapateiro não é um designer/estilista de sapatos, por isso essa parceria.
Cada vez mais está ficando difícil encontrar artesãos de sapatos e bolsas, pois a revolução industrial fez de tudo para tornar essas pessoas obsoletas, pois a produção em série, sendo rápida e feita por máquinas barateou o custo da mão de obra e da produção, muitas marcas deram preferência a isso, assim como os consumidores.
Já para o mercado de luxo e, também, a uma nova consciência social, o trabalho feito à mão está voltando à moda, ainda que um pouco mais acessível. Nos dias de hoje, o artesão acabou se tornando raro - detentor do conhecimento e técnica minuciosa que valoriza qualquer peça produzida por ele. Os anos de desvalorização desse tipo de mão de obra, prejudicaram muito o processo de desenvolvimento de novos artesãos no mercado, fez com que as gerações perdessem o interesse pela profissão como sapateiros, costureiras e bordadeiras, entre outras.
Acredita-se que com essa conscientização social que vem surgindo desde os meados de 2000, com a preocupação com a natureza, com a sociedade, com o lixo gerado, junto à produção desenfreada e o descarte, e despertar para um consumo consciente esteja renascendo o Slow-Fashion. Claro que isso tem um custo e que ainda está ligado ao mercado de luxo, pois a qualidade é o ponto crucial na busca de um produto feito à mão, com isso está sendo valorizado também o design, a atemporalidade da criação, a durabilidade, o investimento. A mão de obra qualificada hoje é escassa, portanto nada mais justo do que ser bem remunerada para gerar novamente o interesse por essas profissões.
O feito à mão pode ser valorizado de acordo com o artesão, o designer/artista e é claro, pela matéria prima utilizada. O mercado de luxo está tão ligado ao feito à mão que já se tornou um processo tradicional, pois a busca pelo subjetivismo, a qualidade e da raridade/escassez do produto só pode ser alcançada com a ajuda do artesão perfeito para a produção da “arte” que as marcas tentam atingir em seus produtos que tornam-se o sonho de seus clientes.